O MEU CONTO DE NATAL

Em cesto de canas agasalhado, da cabeça da minha avó fiz almofada, para no regresso agarrar a vida no aconchego do lar de meus avós e tio.
Contaram-me que ao 7o mês tive em casa vesti-dinho feito mortalha e também de renda asseado pela Esperancinha de Inveja, em que uma arreliadora pneumonia me queria levar.
Contaram-me que num acto de valentia e desespero, a minha avó correu pelo caminho do Outeiro e soltando-me ao vento, gritava - "o meu netinho não morre!..."
Contaram-me que foram vários os meses que a Miquinhas do Sr. Urbaninho de Vale de Sus me atendia de 6 em 6 horas com a repetida injecção reabilita-dora...
... e o leite da vaca que meu avô dispensava a melhor manjedoura, me dava o sustento e ao brasido do lar que todo o dia crepitava entre as "tempras" em cada dia ia reaparecendo, com o meu Jesus ali ao lado na Igreja a velar pela vida por tantos desenganada.
Fui conhecendo-O naquela casa humilde por entre os olhos meigos da minha avó Emília que vigiavam os meus passos e nos dóceis lábios do meu avô Florêncio que aqueciam o meu corpo, afagando-me com trémulas carícias com aquelas mãos grandes ru-gosas e talhadas pela árdua luta do manuseio da enxada e do arado que as lides da lavoura sol a sol para não dizer noite a noite o desafiava.
Um dia depois da canseira encantadora de ter ornamentado o meu presépio, tive a vontade de ir para pertinho Dele e subi à alta torre da Igreja, só que depois com o medo de descer aquelas escadas todas quase a pique lá me retive até noite alta e só com os chamamentos aflitivos de minha avó, Sr.fl Rosa da Tulha e do Sr. Padre Ramiro é que consegui descer até ao adro.
Sempre associo a minha existência ao Natal e àquela relação divina dos meus avós entre gente pura e simples da terra que me viu crescer, aquele paraíso da minha infância, pátria encantada aonde a gente ainda hoje ao abrir os olhos nela se revê!...
Quanto à Sr.a Rosa, já velhinha, um dia eu me ofereci ao cair da noite, para tocar as trindades na torre, já minha conhecida.
- Mas tu não podes menino, nem sequer chegas ao sino! - respondeu-me.
- Olhe, empreste-me um banco. - Retorqui-lhe eu.
- Bem, vai lá, já que me custa tanto subir aquelas escadas todas! - disse-me ela entre um sorriso de expectativa!
Tão rápido me coloquei debaixo daquele grande sino, trepei ao banco, meti a cabeça debaixo, agarrei com as duas mãos com toda a força o badalo e comecei - Tom... Tom... Tom... - parecia que estremecia todo por dentro, mas nada de desanimar e - Tom... Tom... Tom... - até via estrelas, dão o zumbido estonteante daquele sino enorme que caía sobre mim mas tinha que terminar a tarefa e - Tom... Tom... Tom...
Nem sei como consegui descer da torre, ao encontro da velhinha sentada no muro do adro e que tinha à minha espera uma mão cheia de bombons brilhando de todas as cores... a partir daí muitas vezes eu esperei pelo banquinho para subir à torre e tocar as trindades... e sentir bem perto o som que se tornou terno e insubstituível do grande velho sino da Igreja de Penamaior.
Ainda hoje, de quando em vez no fim dum trabalho de estudo ou de preparação de aulas, abro a janela do meu gabinete e aguardo ansiosamente o seu bater que rompe a noite meigamente e vem até mim... Tom... Tom... Tom... trazendo-me a paz do passado envolta em sonho de menino que um Natal subiu a montanha num cestinho de canas sobre a cabeça da sua avozinha.