O MEU CONTO DE NATAL

A mais pequena labareda inquieta e viva duma lareira quando se encrespa dá mais brilho aos tristes olhos de quem na noite santa se curva e recurva por entre braços que se amarram, simplesmente no desejo de trazer ao peito um filho... um pai... uma mãe que entretanto partiu.
No rosto rompem finas torrentes de lágrimas que lavam mágoas de incompreensão duma guerra perdida do Ultramar, dum trabalho árduo de emigrante feito bem longe na procura de melhores dias, que neste País isso era só para uns quantos e... o mais que se poderia dizer.
Estávamos num 24 de Dezembro. Na casa térrea da Sr.a Maria ia-se viver o primeiro Natal sem o pai António que o monte, havia largos meses, tinha emigrado para França.
Dos três filhos, Luís o mais velho de 7 anos, entra na canseira de trepar ao penedo junto ao lameiro e vê-se na tarefa de arrancar com as unhas um cestito de musgo para o presépio e já agora um pinheirinho lá da encosta.
Enquanto isso o Rui e a encantadora Mariana juntos ao avô partem o pão aos bocadinhos para os formigos. A mãe Maria engrossa a chama da lareira e muito a custo começa a preparar a ceia onde o bacalhau, as batatas e a hortaliça vão aguardando. De quando em vez, Maria leva o avental aos olhos, deixando sair por entre lábios o eco abafado e rouco da negrura que lhe apertava o peito - a primeira consoada sem o meu António!...
Num cantinho da cozinha já o Luís colocava um cavaco e mais outro, cobertos a musgo fazendo de monte e ao lado do carreirinho feito de farinha, três gorditas ovelhas "'pastavam". Mais abaixo, numa caixa velha sem tampa que tinha servido para os periquitos, coberta de palhinhas, fazia de perfeita manjedoura, acolhendo Nossa Senhora, S. José e o Menino Jesus. Como não tinha vaca e o burrinho, o Luís resolve arrastar o presépio mais para junto do lume pois assim já o menino estava mais quentinhoí...
A Mariana e o Rui estavam tristes porque queriam um presépio como o da igreja, com pastores, Reis Magos, o Anjo e também uma estrelinha.
O avô bem lhe contava histórias, daquelas que encantam, mas de repente lá retorquiu o Rui olhando para o humilde presépio. - Só três ovelhas?!...
A noite já tinha caído e a ceia estava pronta a servir mas... tudo fazia prever que não ia ser diferente das outras!... Comida para a mesa mas ninguém se atrevia a tirar a primeira batata - olhos fixos no chão e um tremendo silêncio frio deixa aquela família inquieta e penosa.
Entretanto o leão, cãozito rafeiro fitou as orelhas e desata a ladrar, saltitando dum lado para o outro.
- Queres ver já este sarrafo, diz o avô... mal qual quê - ninguém segura o raio do cão que se atirava contra a porta. Até que se ouviu - ó Maria abre... que sou eu!
Será verdade, ó meu Deus, queres ver... e dum lanço corre para a porta e quem viram; o pai António carregando numa mão a mala e na outra um saco de embrulhos amarrados com fitinhas brilhantes e de todas as cores...
E no peito uma torrente de emoção que se encrespava na carne e nos olhos saltando um forte caudal de lágrimas, lavando as feridas já saradas duma noite que agora sim, naquela humilde casa térrea passou a ser noite santa.
Ainda hoje quando lanço os meus olhos por entre os verdes milheirais cortados pelo rio e lá bem no alto descubro o cintilar das luzes soltas em cordões aureolados pela encosta da Penha Maior, não sei se estrelas serão o que sei é que ali moram outros humildes presépios que se estendem a toda esta nossa terra linda que nos encanta e acolhe.