SER ESCRITOR AQUI: PAÇOS DE FERREIRA

"A nossa terra - Paços de Ferreira" mais do que um tema para livro é um mote para Poeta cantar. Em literatura "entre o pensar e o escrever/ fica sempre um intervalo/ que a tinta não pode encher..." significa isto que não há palavras que traduzam, fielmente, pensamentos, sentimentos, emoções... porque estes ingredientes anímicos do amor revelam-se, na prática, muito mais ricos, extensos e profundos do que qualquer palavra, por mais clara, precisa, concisa, frontal, objectiva e verdadeira que esta se apresente.
Cantar Paços de Ferreira é um prazer: seja em prosa, em poesia ou em estilo proso-poético. A forma, ou género literário, tanto faz. O importante é dizer o que nos vai na alma. Sem burilamentos de estilo, mas com o amor que a nossa terra merece. Sem filosofias balofas, mas com sentimentos profundos. Com loas à natureza e afecto às pessoas. Porque elas merecem.
Se o rio da minha terra é o mais importante do mundo para mim, não é naturalmente pela importância que o mundo lhe dá, mas simplesmente por ser "meu". E eu ser daqui: da sua terra e ser gente da sua gente. Irmanamo-nos na confluência destes dois afluentes: Terra e Gente. É por isso que eu amo o rio da minha terra. Mas se não fosse esta a razão, outra seria, porque "...quem ama nunca sabe o que ama/nem sabe porque ama, nem o que é amar.../Amar é a eterna inocência, e a única inocência é não pensar..." diz Fernando Pessoa pela boca de Alberto Caeiro.
Paços de Ferreira é sinónimo da minha inocência. Foi lá que eu nasci e a deixei com a minha infância. Por isso é lá que eu volto em busca desse tesouro perdido. Não há quem não sinta saudades do tempo em que foi bom. E bom foi o tempo da nossa inocência. Será preciso acrescentar mais para dizer o quanto amo a terra que me serviu de berço; onde dei os primeiros gritos e ouvi os primeiros bramidos do vento, da trovoada e animais; onde dei os primeiros passos e articulei as primeiras palavras... enfim, onde fiz os primeiros versos envoltos em desajeitadas palavras que eram outras tantas promessas de amor eterno...
Parafraseando o Poeta, numa interpretação livre, direi: "Vou passar a noite ao Porto por não poder passa--Ia em Seroa,/ Mas, quando chegar ao Porto, terei pena de não ter ficado em Seroa./ Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem consequência,/ Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,/ Na estrada do Porto, ou estrada do sonho, ou na estrada da vida..."
Assim vivem os poetas: sempre inquietos e angustiados por coisa nenhuma; sempre em estado de exaltação... Quem, senão os poetas, fica inebriado com o cheiro agridoce dos campos lavrados? Quem, senão os poetas, sofre com o rugido furioso de animal prestes a parir? Quem, senão os poetas, vibra com o som forte do vento na copa das árvores? Pois são estas coi-sas-nenhumas que tanto excitam as almas dos poetas. A angústia e inquietação destes amantes do belo e mártires do seu amor resultam da sua limitada capacidade para poderem cantar tanta beleza. Mas o que se diz dos poetas, de igual modo, se pode dizer dos pintores, escultores, músicos e demais artistas que proliferam em Paços de Ferreira. E porque todos querem pintar, esculpir e cantar a beleza, mas ninguém tem no bolso do seu estro o sol, a luz, a cor, o perfume, resulta daqui que a perfeição é impossível, é um ideal a atingir. Eis onde reside a causa de tanta angústia e inquietação dos poetas e demais artistas. Eis no estado em que fico quando subo ao Alto de S. Domingos, em Seroa, e dou por mim a contemplar aquela "Terra de encanto e beleza".
Com verdade, esforço e tenacidade qualquer artista consegue aproximar-se da expressão que, pouco a pouco, alcança traduzir quanto quer. Esforço, aqui, sinónimo de fortalecimento da "capacidade de analisar para poder criticar"; na certeza de que "a crítica sustentada e sem subterfúgios, não é fácil"; mas admirável, desde que seja verdadeira e construtiva.
Escrever é traduzir o sentimento por palavras. É revelar sua alma numa folha de papel, como o escultor o faz num bloco de pedra, o pintor numa tela, o lavrador, com seu arado, na terra, e o marceneiro, com sua enxó, na madeira. É óbvio que é preciso imaginação, sensibilidade e coragem. Imaginação para se dizer o que se quer, sem querer dizer o que os outros querem que se diga. Sensibilidade para pôr sentimentos nas palavras. E coragem para desnudar sua alma em público. Todo aquele que deixa transparecer o seu estado de espírito, a sua maneira de ser, agir e pensar sem preconceitos, deve ser, tem que ser, motivo de admiração. Só os verdadeiros artistas conseguem despojar--se do manto da hipocrisia. Se são verdadeiros, são sinceros. E, neste mundo, só a sinceridade convence. Não é decente deixar-se o orador levar pela cólera... Ser frontal, verdadeiro, sincero, não é sinónimo de ser um "expert" em arte. Nem de ser um bom crítico. Ser um bom crítico, tem muito que se lhe diga! A crítica é sempre polémica. Nenhum artista concebe sua obra com espírito de gerar polémica. Todavia sabe que um juizo de valor, uma apreciação, mais ou menos fundamentada, sua obra irá despoletar nos espíritos críticos. Criticar é estigmatizar. Por isso é preferível aliar à frontalidade, verdade e sinceridade, o SER. E mais nada!... Não há ninguém, por aqui, capaz de entender o entendimento. Escopo do criticismo e maior instrumento do verdadeiro crítico. Se há, está sabiamente calado.
O que é ser um bom escritor aqui, em Paços de Ferreira? Francamente, não sei. Porque um bom escritor não é daqui, nem de lugar nenhum. É do mundo. Camões, Pessoa, Saramago não têm lugar. São património mundial.
Para além das qualidades inatas, inerentes à pessoa, um bom escritor faz-se. E faz-se como? Sobretudo conseguindo tocar em três cambiantes:
- primeiro, conhecendo e amando bem a língua, neste caso, a língua portuguesa;
- segundo, enriquecendo e valorando o vocabulário e o estilo, colocando a palavra certa sempre no lugar certo;
- terceiro, saber aplicar bem o agridoce sabor da fala rústica da nossa região.
Ora, para tal são precisas três coisas:
- ler muito, sobretudo os nossos prosadores e poetas clássicos; esses que tanto prestigiaram os usos e costumes das nossas terras, pondo na palavra o sotaque, a acentuação, a maneira peculiar da nossa região;
- saber escolher destes prosadores e poetas, as palavras certas, e fazer destas palavras certas verdadeiras pérolas literárias, diamantes da literatura;
- compreender bem o que lê, para ser compreendido no que escreve.
Saber ler, implica mais três variáveis:
- análise;
- tempo;
- meditação...
Sem o contributo decisivo destas três variáveis dificilmente conseguiremos penetrar:
- no segredo do processo literário;
- no jogo das palavras;
- nos bastidores do estilo.
Prosseguindo com esta trilogia esquemática, utilizada, aqui e agora, por mera simplificação de método, apresentaria três formas de estilo literário:
- O estilo utilitário, descritivo, jornalístico, objectivo: defini-lo-ia como sendo um relato fiel da verdade nua e crua, isto é, sem ornatos, comedido, sereno, claro, preciso e conciso (exemplo: actas, relatórios, notícias, reportagens, crónicas, exposições...);
- O estilo epistolar, subjectivo: aquele que mais reflecte a nossa sensibilidade. Ao contrário do primeiro, que vive independente de nós, este faz parte de nós (exemplo: diários, cartas, obras autobiográficas...). Este estilo, quando elevado ao extremo, chama-se lamechice. Todos conhecemos exemplos deste derrame sentimental: é raro o aprendiz de escritor que consegue evitá-lo;
- O estilo fíccionista que, tal como o nome deixa implícito, se refere à ficção (conto, novela, romance). Neste impera a imaginação do autor, o seu fingimento fabuloso, a sua realidade imaginada.
Repito: esta exposição trilógica aparece por uma questão de simplificação esquemática: fora de qualquer estilo literário, mas inserido num estilo matemático. A compreensão é directamente proporcional à simplificação.
Sou natural de Seroa. Uma Terra, banalisticamen-te falando, cheia de encantos e beíeza.
Segundo parece, há muitas versões para a origem do nome - Seroa. Quedo-me por duas que me parecem mais lógicas e menos divulgadas (para ser franco não sei se as li, ouvi, sonhei ou inventei) uma, significaria serra pequena, e aí está a Serra da Agrela para o confirmar; e a outra, teria origem em terra saibrenta, ou terra saibrosa, que, por síncopes e abrandamentos nos conduziriam a terra sairosa, sarosa, saroa e, finalmente, seroa e aí temos o lugar das Saibreiras, no Alto de S. Domingos, a servir de atestado, a tal versão.
Já que falei nos encantos e beleza desta Terra, nada melhor do que um passeio pedestre exactamente ao Alto de S. Domingos, para dali vislumbrar o que se pode vislumbrar do céu.
Mas, atenção!, se o lugar de S. Domingos é, e está a ficar cada vez mais bonito, eu gostaria de lembrar aqui que nunca se deve vestir bem um Santo despindo outro. S. Simão, S. Mamede...e outros Santos lugares de Seroa merecem igual tratamento.
Aprendi, na minha instrução primária, Escola da Poupa, o Hino Nacional e o Hino de Paços de Ferreira. Quem sabe se não foram estes Hinos que me despertaram para a música, a poesia, a beleza, o amor, que ora nutro pela minha Terra?!...
Ainda hoje ecoam nos meus ouvidos os acordes harmónicos do nosso Hino, com letra do Padre Armando Pereira e música de Armando Leça.