A SANTA QUE SUMIU... I
2007
Ao anoitecer, hora do colhedoiro das couves, havia uma afluência bem grande de mulherio a correr para a fonte, a encher os canecos e dar largas ao seu gosto de "noveirar" (dizer e ouvir novidades) simples mexericos que saboreavam e depois levavam para casa para contar durante a ceia, comida ao borralho, logo seguida do terço, rezado em família, e depois cama, que o dia seguinte era de trabalho e havia que madrugar.
E nesta pacatez se vivia aqui, santa pacatez - o barulho mais alto (tirando os morteiros e os foguetes aquando da festa ao S. Brás) era o tocar do sino para as Trindades que todos respeitavam, orando, de chapéu na mão.
Ora, um dia, um estranho dia, este habitual e bom viver pacato foi quebrado por um extraordinário acontecimento. E tão estranho foi que o mulherio, ao cair da noite, mal chegou à fonte, ficou deslumbrado, de siso perdido e gritou, rezou, houve quem fugisse, quem desmaiasse, tudo.
Milagre!... Houve até quem gritasse.
E que, no cimo do cubo da fonte, como se fosse um altar, estava uma santa, pequena e bonita estatueta que provocou aquele alvoroço todo e fez ajoelhar muitos. E juntou uma multidão que, empoleirada nos muros, nas árvores, nos ombros uns dos outros, ali se resolveu passar a noite, longa noite de Inverno, a maioria a rezar.
Até o Zébia se resolveu ficar, para o que se embrulhou bem no seu capote varino, e já não era nenhum jovem, nem sequer era dali. Mas quem era o Zébia? Acho oportuno dizer já: Imagine o leitor um destes pacatões de quem o povo diz "nem lá vou nem faço minga"; via-se bem que vivia com desgosto. Angustiado - dizia hoje um psicanalista. Tinha umas terras lá para Lordelo, onde morava, mas não ligava nenhuma, nem a família lhe ligava, passava o tempo por aqui, onde uns parentes lhe iam dando uns calditos. Estranho homem este que não fazia mal a uma mosca mas caiu neste viver triste, tudo por paixão, dizia-se. Paixão de matar: - Zébia adorava tocar bombo e lá na família, não o deixavam. Por isso, o correram para aqui e aqui foi igual - nada de bombo, disse o povo!
Mas voltemos à fonte onde continuava o Zébia e uma multidão cada vez maior. E, quanto aos acontecimentos, das rezas e espantos se havia passado ao falatório: Será milagre? Será bruxedo? Chamamos o Padre ou o Regedor? Ai credo, que fazemos!?...
Não foram capazes de chegar a acordo e, com o adiantar da noite, longa noite de Inverno, foi crescendo o frio, o sono e a pouco e pouco, foram retirando, a ponto de, bem antes de amanhecer, ficar lá a santa sozinha, em cima da fonte como um altar.
No outro dia, mal se via ainda, correu célere a notícia pela aldeia toda: a santa sumiu! E sumiu mesmo, verificaram todos os que lá chegavam em louca correria.
Desta vez, porém, deu-lhes para se zangarem, atirando culpas uns aos outros, por não velarem toda a noite como deviam nem terem chamado as autoridades. E as coisas foram-se azedando, a ponto de haver murros por aqui, empurrões e insultos por todo o lado, só serenando com a chegada do Regedor e seus Cabos de ordens que, rápidos, impuseram a ordem: - E nem mais um pio! - gritou o Regedor.
Só o Zébia, muito humilde, pediu à autoridade licença para falar.
- Autorizado! - diz o Regedor.
- Saibam as senhoras autoridades mais o povo desta terra que eu sei tudo destes acontecidos.
- Diga lá! - ordenou o Regedor.
- Eu digo, sim senhor, mas primeiro têm de me garantir que eu posso fazer uma coisa que quero, até explicar tudo.
- Garanto eu! - reafirmou o Regedor.
Está bem, então amanhã bem cedo estejam aqui todos.
Estiveram. Também o Zébia que trazia o varino do costume, o bombo e um ar diferente do habitual. As pessoas notaram.
Só disse: - Vamos! E logo partiram todos atrás do Zébia que, sacando da baqueta, começou a malhar no bombo:
E nesta pacatez se vivia aqui, santa pacatez - o barulho mais alto (tirando os morteiros e os foguetes aquando da festa ao S. Brás) era o tocar do sino para as Trindades que todos respeitavam, orando, de chapéu na mão.
Ora, um dia, um estranho dia, este habitual e bom viver pacato foi quebrado por um extraordinário acontecimento. E tão estranho foi que o mulherio, ao cair da noite, mal chegou à fonte, ficou deslumbrado, de siso perdido e gritou, rezou, houve quem fugisse, quem desmaiasse, tudo.
Milagre!... Houve até quem gritasse.
E que, no cimo do cubo da fonte, como se fosse um altar, estava uma santa, pequena e bonita estatueta que provocou aquele alvoroço todo e fez ajoelhar muitos. E juntou uma multidão que, empoleirada nos muros, nas árvores, nos ombros uns dos outros, ali se resolveu passar a noite, longa noite de Inverno, a maioria a rezar.
Até o Zébia se resolveu ficar, para o que se embrulhou bem no seu capote varino, e já não era nenhum jovem, nem sequer era dali. Mas quem era o Zébia? Acho oportuno dizer já: Imagine o leitor um destes pacatões de quem o povo diz "nem lá vou nem faço minga"; via-se bem que vivia com desgosto. Angustiado - dizia hoje um psicanalista. Tinha umas terras lá para Lordelo, onde morava, mas não ligava nenhuma, nem a família lhe ligava, passava o tempo por aqui, onde uns parentes lhe iam dando uns calditos. Estranho homem este que não fazia mal a uma mosca mas caiu neste viver triste, tudo por paixão, dizia-se. Paixão de matar: - Zébia adorava tocar bombo e lá na família, não o deixavam. Por isso, o correram para aqui e aqui foi igual - nada de bombo, disse o povo!
Mas voltemos à fonte onde continuava o Zébia e uma multidão cada vez maior. E, quanto aos acontecimentos, das rezas e espantos se havia passado ao falatório: Será milagre? Será bruxedo? Chamamos o Padre ou o Regedor? Ai credo, que fazemos!?...
Não foram capazes de chegar a acordo e, com o adiantar da noite, longa noite de Inverno, foi crescendo o frio, o sono e a pouco e pouco, foram retirando, a ponto de, bem antes de amanhecer, ficar lá a santa sozinha, em cima da fonte como um altar.
No outro dia, mal se via ainda, correu célere a notícia pela aldeia toda: a santa sumiu! E sumiu mesmo, verificaram todos os que lá chegavam em louca correria.
Desta vez, porém, deu-lhes para se zangarem, atirando culpas uns aos outros, por não velarem toda a noite como deviam nem terem chamado as autoridades. E as coisas foram-se azedando, a ponto de haver murros por aqui, empurrões e insultos por todo o lado, só serenando com a chegada do Regedor e seus Cabos de ordens que, rápidos, impuseram a ordem: - E nem mais um pio! - gritou o Regedor.
Só o Zébia, muito humilde, pediu à autoridade licença para falar.
- Autorizado! - diz o Regedor.
- Saibam as senhoras autoridades mais o povo desta terra que eu sei tudo destes acontecidos.
- Diga lá! - ordenou o Regedor.
- Eu digo, sim senhor, mas primeiro têm de me garantir que eu posso fazer uma coisa que quero, até explicar tudo.
- Garanto eu! - reafirmou o Regedor.
Está bem, então amanhã bem cedo estejam aqui todos.
Estiveram. Também o Zébia que trazia o varino do costume, o bombo e um ar diferente do habitual. As pessoas notaram.
Só disse: - Vamos! E logo partiram todos atrás do Zébia que, sacando da baqueta, começou a malhar no bombo: