PASSEIO NO TEMPO

Freamunde, nobre terra sem brasão. Há páginas da tua história que jamais se apagarão. Teus filhos foram sementes que depressa germinavam e deram frutos ao mundo que muito te orgulhavam.
Foste fonte de cultura onde a arte se mistura nas suas várias vertentes. Foste Escola. Aprendeste e ensinaste com a ternura e humildade que é apanágio das tuas gentes.
Na indústria pioneira do móvel, foste a primeira.
As referências mais antigas que é possível encontrar da fabricação de mobiliário, datam de 1910. "Já se acha devidamente instalada em casa própria, na Rua do Comércio em Freamunde, a nova oficina de mobiliário e material escolar, da firma Albino de Matos, Pereiras & Barros, Lda.". In crónica do jornal "O Progresso de Paços de Ferreira". Refira-se como curiosidade que o registo de matrícula da escritura na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira tem o n.° 5. De salientar também que já ern 1945 esta empresa dava emprego a mais de 500 operários. Conhecida entre nós como a "Fábrica Grande", para alguns como a Viúva", mas com a denominação actual de ALBAR, ainda hoje se encontra em actividade.
Também muito antiga, mas encerrada recentemente, a Fábrica do Calvário de António Pereira da Costa, Lda., laborando no mesmo ramo de actividade, durante várias décadas deu emprego a muitos trabalhadores de Freamunde e das terras limítrofes.
Depois destas, muitas outras empresas de mobiliário foram sendo criadas ao longo dos tempos, com mais ou menos sucesso, duas das quais é justo salientar aqui, pela sua antiguidade e porque se mantêm ainda em actividade; a do José Leal, hoje Carvalho & Silva, Lda. e a A. F. Moreira "Moreira da Boavista".
Das chamadas fábricas de ligaduras (Têxtil Hospitalar), de realçar a empresa criada nos anos 40 por Luís Teles de Menezes, hoje com a denominação de Luteme, que chegou a empregar cerca de 400 pessoas e onde ainda, hoje, laboram mais de 100.
Também a tamancaria assentou arraiais na nossa praça. De 1937 a 1939 o jornal "A Voz do Município" noticiava em diversos números, uma série de incidentes laborais nos tamanqueiros de Freamunde, pelo que é de admitir que seriam em grande número. António Taipa e filhos, José Alves, Maximíno Sousa e Joaquim Bessa, foram alguns dos homens que se dedicaram a esta actividade. Armando Pacheco foi um dos últimos industriais desta indústria artesanal.
Na latoaria recordo-me de, entre outros, os irmãos Serafim e José da Silva Moura que, ao longo de muitos anos se dedicaram à arte de transformar os metais.
Alfaiataria foi um ramo onde se criaram também excelentes profissionais, e cujo trabalho veio a ser reconhecido extra-muros.
No comércio, é com satisfação que recordo as grandes superfícies de então. António José de Brito & Filhos, Lda. na área das ferragens, drogaria, materiais de construção e, ligação a outros sectores. No vestuário, fazendas e afins, Adolfo e Leonel Oliveira, José Rego e Artur Ribeiro, qual deles o primeiro. Já no ramo alimentar, era ver Alfredo da Silva Cabral junta à máquina registadora, olhando por sobre os óculos para ver quem vinha de fora. E o "Manei da Balbina" que além de mercearia, vendia assobios de caco e era bom em matemática, do negócio fez mina, sem denunciar a táctica.
De 5 de Agosto de 1921 data a loja do Venturinha que vende de quase tudo e não dispensa uma boa palestrinha.
Quem não se lembra da pequenina mas acolhedora loja onde por detrás do balcão se encontrava aquela figura sempre simpática do Sr. Armandinho Oliveira?! Lá se podiam adquirir os jornais diários, material escolar, revistas, livros de histórias aos quadradinhos e pelo Carnaval o material próprio para a época. E aquele ditado popular que tantas vezes se ouvia; "as amostras estão na feira, na loja do Sr. Armando Oliveira"!
Também noutros sectores da vida Freamundense, o passado nos legou obras que seria imperdoável esquecer.
Fundada em 1822, a Banda Musical de Freamunde mantém a sua actividade quase duzentos anos depois. Premiada em 29 de Junho de 1930 com uma Batuta em Marfim, em 5 de Setembro de 1931 com uma Batuta encastoada a Ouro e a 18 de Julho de 1932 com a Medalha de Ouro, além de outras condecorações, continua ainda hoje a deliciar os amantes da divina arte com os seus concertos um pouco por toda a parte. 1 de Fevereiro de 1891 é a data da fundação da Associação de Socorros Mútuos Freamundense, que viria a ser aprovada em 29 de Outubro do mesmo ano. Esta Instituição prestou relevantes serviços na área da Assistência Social e outras. Para além de outros, destacam-se como seus fundadores o Padre Florêncio Vasconcelos e Alexandrino Maria Chaves Ferreira Velho. Em 19 de Março de 1928 a sua direcção era composta por: Presidente, António Joaquim Ribeiro. 1.° Secretário, Leopoldo Pontes Saraiva e Tesoureiro, Serafim Martins Pacheco. Também esta instituição (prédio) que foi durante décadas a sala de visitas de Freamunde, ainda hoje se mantém de pé, apesar de moribunda durante muitos anos e não servir os fins a que se destinava.
Por iniciativa dos sócios do Clube Recreativo Freamundense que havia sido fundado em 1926, procedeu-se à organização e fundação da Associação e Corporação dos Bombeiros Voluntários de Freamunde. A 10 de Novembro de 1928, é eleita a primeira Direcção Executiva presidida por Dr. Alberto Carneiro Alves da Cruz. Refira-se no entanto como data oficial da fundação o dia 12 de Julho de 1930.
Com o intuito de angariar fundos para a criação da citada Associação de Socorros Mútuos, com récitas e representações teatrais, Alexandrino Chaves Velho teria sido dos primeiros senão o primeiro impulsionador da arte de representar em Freamunde. Seguiram-se-lhe dois outros nomes importantes a quem a nossa terra e o teatro amador muito devem. Leopoldo Pontes Saraiva na década de 40 e Fernando Santos (Edurisa Filho) mais tarde. Principalmente com este último, o teatro, através do Grupo Teatral Freamundense e um punhado de excelentes actores amadores, levou longe e bem alto o nome de Freamunde, conquistando vários primeiros prémios e outros, em concursos de nível nacional.
Quanto ao correio, o serviço de comunicações postais vem já de recuadas épocas. Já em 1856 se fazia a ligação entre Freamunde e Penafiel. A segurança das malas postais era feita com guardas à vista, tal era a frequência com que eram assaltados os Almocreves ou Caminheiros incumbidos do respectivo transporte. A estação de Freamunde é relativamente recente. Em 25 de Outubro de 1923 abriu com a categoria de Regional e em 12 de Junho de 1958 foi classificada como estação de 3.a Classe.
Em 19 de Março de 1933 nasce o Sport Clube de Freamunde, que viria a dar bola pela barba a muito boas famílias e onde se destacaram várias figuras, quer ao nível da prática do futebol, quer como dirigentes ou simples associados. No mesmo ano, mas em 13 de Junho, por Decreto-Lei n.° 22:656, Freamunde é elevada à categoria de vila. Como fundamentos: a numerosa população, os seus mercados e feiras e o grande desenvolvimento comercial e industrial.
Fundada em 1938, também a Sociedade Columbófila ocupa um lugar respeitável entre as Instituições da nossa terra e permite aos amantes deste tipo de desporto ocupar os seus tempos de lazer. De destacar que atraídos pelo alto nível competitivo desta sociedade, columbófilos de outras terras onde existem Associações congéneres, sempre fizeram questão de concorrer através da de Freamunde, no aspecto arquitectónico, de realçar a Igreja Matriz cuja feição actual data de 1818. E as Capelas de S.Francisco com data de 1737 e de Santo António, anterior a 1720. Em 1936 a capela do Santo casamenteiro foi deslocada umas dezenas de metros, para o local onde se encontra actualmente. Ali se veneram dois Santos que emprestaram o nome a duas Festas/Feira. A de Santo António a 13 de Junho e a de Santa Luzia em 13 de Dezembro, día em que se realiza, oficialmente desde 1719, a Feira dos Capões, um dos mais importantes cartões de visita de Freamunde.
Uma outra capela, a de Nossa Senhora do Rosário, em Pessô, nos últimos tempos propriedade de particulares sem qualquer espécie de escrúpulos, encontra-se de tal maneira depauperada que já não há IPPAR que consiga recuperá-la.
Ainda no plano arquitectónico não podemos deixar de recordar a nossa centenária Praça. Com data de nascimento de 1890, viria a "falecer, vítima de acidente de viação", precisamente cem anos depois, no verão de 1990, para dar lugar à construção do Centro Cívico de Freamunde. Espero que ressuscite um dia, algures na nossa terra, para gáudio de quase toda a família.
Várias moradias particulares mereceriam aqui destaque pela sua construção de rara beleza arquitectónica, algumas das quais infelizmente se encontram em adiantado estado de degradação.
E porque não recordar as nossas velhinhas fontes? A do Cortinhal, da Jóia, dos Moleiros e do Agre-lo. Outrora de águas sadias e recantos propiciadores de belas histórias, hoje tristes e desprezadas.
Que me perdoem aqueles de quem não falei e mereciam dar comigo este passeio através do tempo. Mas este espaço não é exclusivamente meu e, para mim, o respeito pelos outros é lei.
Termino quase como comecei. Só que agora com um lamento e um apelo.
Freamunde. Pobre terra com brasão. O apego ao poder e um bairrismo bacoco, promoveram um vazio que gerou a divisão. Promotores de uma cultura balofa, os "heróis" do nosso tempo, lançaram Freamunde num deserto de feitos e ideias que, se é verdade que os mortos reencarnam, não me admiraria nada que por entre nós caminhem muitos deles ruborizados de vergonha. E tempo de lhes fazermos justiça com obras à altura dos seus cometimentos. É tempo de lutarmos contra esta apatia em que fomos mergulhados. Contra a inércia de poder e oposição que nos colocou na cauda do pelotão. É tempo de sacudirmos as "carraças do pêlo acolhedor dos cordeiros da paz" e colocá-las a trabalhar para o engrandecimento da nossa terra. Com respeito pela legalidade, executando e fazendo cumprir as leis e não em função de interesses, muitas vezes pouco claros. Não rebuscando alíneas que podem ser interpretadas segundo as conveniências. Mas agir de igual forma com todos.
É tempo de se darem as mãos sem demagogias e falsos bairrismos. Colaboremos todos na reconversão da nossa terra para que possamos de novo sentir orgulho pelo que é nosso. Mas uma colaboração humilde, desinteressada. Que tenha em conta o respeito por todos os filhos desta terra. Para que todos nos possamos sentir um pedaço do todo a que pertencemos e ninguém se sinta exilado na sua própria comunidade.